sexta-feira, 9 de julho de 2010

CEM ANOS DE UM GRANDE HOMEM


Os homens de províncias também podem ser universais, pelo conjunto da obra humana e da dedicação à sua terra e sua gente.

Se vivo fosse, meu tio paterno Elias de Araújo Rocha teria completado cem anos de existência no último dia 06 de julho.

Morto relativamente jovem, aos 58 anos de idade, em consequência da doença de Chagas que tantos óbitos causou e continua a matar no município de Alto Parnaíba, no sul do Maranhão, Elias Rocha nasceu quando o nosso município ainda se chamava Victória do Alto Parnaíba e era o primogênito de meus avós, Antonio de Araújo Rocha (Antunim) e Ifigênia do Nazareth Rocha.

Inteligente e autodidata, Elias foi promotor público, juiz de direito suplente da comarca de Alto Parnaíba e advogado provisionado até a morte, se destacando pela oratória brilhante no tribunal do júri e pela escrita fácil, que retratavam o conhecimento adquirido através da leitura permanente, hábito transmitido por meu avô aos filhos, que, na época, pelas condições do lugar, o estudo formal era mínimo.

Querido e estimado pela população mais necessitada, Elias aos pobres verdadeiramente se dedicou, ao mesmo tempo que, pelo próprio porte físico, era respeitado até pelos mais velhos.

Na política da província, foi tudo - vereador, presidente da Câmara, vice-prefeito e prefeito de Alto Parnaíba -, se destacando pela probidade, pela eficiência administrativa e pela capacidade de gestão, alinhados a um carisma contagiante.

Maçom e pregador evangélico (da igreja Batista), meu tio Elias - segundo nos relatava o também saudoso Galileu Clementino Ramos dos Santos, dileto amigo de nossa família, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Maranhão, pai da ex-prefeita de São Luís, Gardênia Gonçalves e sogro do ex-governador e atual prefeito João Castelo -, se encontrava na capital do estado e convidado por ele, Galileu, em um certo domingo foi acompanhar o enterro de um rico empresário dali. No cemitério do gavião, um certo mal estar, já que o maçom que seria o orador na despedida ao ilustre morto, não comparecera. Elias, de pronto e sem sequer conhecer o dito cujo, não se fez de rogado e proferiu um inesquecivel discurso, de conteúdo bíblico sobre a vida e a morte, que a todos impressionou e continuava a provocar lágrimas em seu Galileu muitos anos depois.

Não me recordo de meu tio Elias, pois quando de sua morte eu tinha apenas dois anos. Sua história de vida, entretanto, continua sendo contada por aqueles que com ele conviveram. Casado com a educadora Maria de Lourdes Gouveia Rocha, pioneira normalista vinda da terra natal, São Luís, para alfabetizar gerações na distante Alto Parnaíba, aqui chegando a lombo de burro no final dos anos 1930, deixou duas filhas, Izidorinha Gouveia Rocha e Martha Rocha Avelino.

Um fato curioso do carisma de Elias sempre foi repetido na família Rocha, a própria preferência da mãe para com ele em face dos demais filhos. Franca e sem rodeios, um curioso perguntou à minha avó Ifigênia quem, se Deus permitisse, ela queria que morresse primeiro, se Elias ou os demais filhos juntos. A resposta deixou o interlocutor talvez persplexo: que fique Elias. Esse fato pode ser comparado em razão dela não haver resistido à morte do filho e falecido pouco tempo depois.

Sentindo a proximidade da passagem natural, Elias, desaconselhado pelos médicos que o atenderam em São Luís e Belém, deixou a cidade e foi para a fazenda predileta, a Salina, gleba da Data Água Branca. Ali, cercado por homens e mulheres do campo, caiu morto quando cantava um hino de louvor a Cristo. Velado sob o pranto e as ladainhas cantadas por aquela gente humilde que era o seu povo, o corpo foi trazido para a sede do município onde uma multidão acompanhou até a última morada.

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